Em tempos de instabilidade econômica, em que os indicadores
macroeconômicos começam a apresentar resultados preocupantes, se debate o papel
do governo na condução de suas políticas econômicas, sempre com o intuito de
amenizar tais choques ou até mesmo eliminá-los.
O debate envolve uma questão fundamental da macroeconomia moderna, a
necessidade ou não da intervenção do governo nestes momentos de crise.
Após a crise de 1929,
com as ideias de J. M. Keynes, ficou convencionado de que o governo teria sim
um papel importante de estabilizador da economia, de que seus gastos ampliariam
o nível de produto e, por conseguinte, reduziriam a taxa de desemprego. Porém, até os dias atuais, surgiram várias
outras teorias colocando o governo como um agente desestabilizador, no sentido
de que, ele mais atrapalha do que ameniza os choques e, portanto, deve adotar
ações mais passivas durante as crises. Entre os economistas que se destacaram
na defesa da passividade das políticas econômicas estão Milton Friedman e
Robert Lucas.
Atualmente, a
discussão ainda não cessou, porém, é quase unanimidade entre os economistas a
série de dificuldades com que o governo se defronta ao formular suas políticas
econômicas. Então, tendo em vista este acalorado debate e o contexto atual da conjuntura
macroeconômica brasileira, se torna necessário expor e explicar quais são estas
dificuldades e os métodos para contê-las.
Inicialmente há a
questão das defasagens. Quando ocorre um choque, o governo precisa primeiro,
identificá-lo, a partir de suas características e seus efeitos. Depois é
necessário que ocorra um estudo sobre a necessidade de intervenção e como se
dará a implementação da política econômica, até que, de fato, se aplique as
medidas consideradas necessárias. Todo esse processo demanda tempo, sendo que o
intervalo entre a ocorrência do choque e a implementação da política econômica
é denominado de Defasagem Interna.
Quando a política é
implementada pela autoridade econômica, os seus efeitos não são percebidos
imediatamente na economia como um todo, eles repercutem lentamente na estrutura
da sociedade e os agentes apenas respondem a essa politica após um determinado
período. O intervalo de tempo entre a implementação da política econômica
corretiva e a sua repercussão na economia é denominado de Defasagem Externa.
Na totalidade do
processo, ambas as defasagens se acumulam, fazendo com que o intervalo entre a
ocorrência do choque e a repercussão da politica econômica seja significante.
Tal fato representa um problema considerável para o governo, pois o período de
defasagens pode ser tão extenso que, nele próprio, a economia já terá voltado
ao normal naturalmente, fazendo com que os efeitos da politica econômica causem
um novo choque desestabilizador.
Dessa forma, vamos
supor que, no final do ano de 2015, a taxa de desemprego no Brasil seja de 9% e
que o governo decide realizar uma expansão monetária para impulsionar o produto
e assim diminuir o desemprego, além do mais, digamos que a defasagem total da
política monetária no país é de seis meses. Quando o a expansão monetária
realmente fizer efeito sobre a economia, pode ser que o atual choque de
elevação sobre a taxa de desemprego já tenha sigo revertido, de forma que tal
indicador, já tenha voltado ao seu nível natural. Portanto, quando passar a
defasagem externa, a expansão monetária se deparará com um mercado de trabalho
em equilíbrio, causando uma maior redução da taxa de desemprego (abaixo de seu
nível natural) e pressões inflacionárias, desestabilizando novamente a
economia.
A partir do exemplo acima, pode-se ver que as
defasagens são um forte argumento contra as políticas econômicas e uma
dificuldade relevante para o formulador. Porém, há alguns mecanismos utilizados
pelos economistas para amenizar as flutuações econômicas sem precisar passar
pelas duas defasagens. Tais mecanismos são os estabilizadores automáticos, que
possuem um efeito menor, mas amenizam os choques. Tais estabilizadores não
precisam ser acionados, pois são corrigidos automaticamente. Um exemplo são os
impostos progressivos, que impõem taxas distintas para diferentes níveis
produção e renda. Então, quando a produção está aquecida, a taxa imposta pelo
governo se eleva, servindo como um freio natural.
Outra dificuldade
com que se deparam os formuladores de política econômica é a existência das
expectativas. Uma política implementada não depende apenas de seus efeitos
diretos, mas também dos efeitos que ela causa nas expectativas dos agentes. Tal
ponto faz com que a ação do governo se torne incerta, pois é difícil
quantificar a expectativa dos indivíduos. Além disso, muitos modelos nem
consideram a expectativa da população sobre uma politica econômica, o que pode
alterar totalmente o resultado desejado. Tal critica às políticas adotadas pelo
governo foi formulada por Robert Lucas.
Para representar
melhor a forma com que as expectativas influem no resultado de um choque,
podemos utilizar o ferramental microeconômico da Teoria dos Jogos. O problema
descrito nada mais é do que uma interação estratégica entre o formulador de
política econômica e a expectativa dos indivíduos. O que os agentes fazem depende
do que eles esperam que os formuladores façam, e a ação destes depende do que
esperam que aconteça na economia. Portanto, podemos ver que o jogo estratégico
entre estes dois jogadores pode ser muito complexo e estar envolto de
incertezas, o que faz com que seja provável a ocorrência de efeitos
indesejáveis, dadas certas politicas econômicas.
É necessário
explicar um exemplo de como as expectativas influenciam as políticas
econômicas. Vamos supor que o Banco Central brasileiro publique uma meta de
inflação de 2% e que os indivíduos confiem perfeitamente em tal meta. Além
disso, o Banco Central sabe que a sensibilidade da inflação em relação à
diferença entre o desemprego efetivo e o natural é 0,4 e a taxa natural de
desemprego é de 4%. Para este cálculo, precisamos utilizar a curva de Phillips:
Se o governo seguir exatamente a sua meta de inflação, a taxa de
desemprego efetiva será equivalente à natural, atingindo um patamar de 4%.
Porém, o formulador de política econômica pode adotar uma tática conhecida como
inconsistência temporal, ou seja, um incentivo para se desviar de sua escolha
dado que o outro jogador já tenha feito sua jogada. Isso significa que ele
abandonaria sua meta publicada para atingir resultados possivelmente melhores
em um determinado contexto. Visto isso, o governo observa que se aceitar uma
pequena elevação da inflação para 3% terá uma redução considerável do desemprego
para 1,5%, um dilema tentador em termos de política econômica.
Porém, os agentes perceberão que o governo não seguiu a meta prometida e
elevarão a expectativa inflacionária para o novo patamar de 3%. Essa nova
jogada faz com que a taxa de desemprego volte a ser 4%, mas com uma inflação
maior que a anterior, sendo que o governo só poderia reduzir o desemprego
aumentando novamente a inflação. Este exemplo demonstra como as expectativas
podem fazer com que a política econômica tome um resultado contrário ao desejado.
Caso o governo realize inconsistências temporais sucessivas, perderá a
sua credibilidade perante os agentes, tornando o jogo estratégico muito mais
complexo e incerto. Portanto, uma medida que pode facilitar o jogo entre o
formulador e os indivíduos é a busca da credibilidade da autoridade monetária.
Este objetivo pode ser alcançado com a independência do Banco Central, que
ficaria livre de pressões e interesses políticos, deixando de preocupar-se
apenas com o curto prazo, por causa de eleições, populismo, entre outros
motivos. Dessa forma, o formulador poderia alcançar uma escolha racional sem a
influência de segundos interesses.
Para eliminar as dificuldades expostas neste estudo, os economistas
fazem uso da elaboração de cenários econômicos, o que inclui a construção de
modelos que expliquem as variáveis que o governo pretende descobrir, além de
relacioná-las com outras variáveis, denominadas explicativas. Esse método busca
prever os choques ou os efeitos de uma determinada política de forma que se
exclua os efeitos das defasagens e, em alguns casos, as flutuações das
expectativas.
Contudo, os economistas não entram em acordo sobre um modelo que seja
realmente efetivo e elimine todas as incertezas. Pelo contrário, existem
inúmeros modelos de política econômica que induzem resultados diversos, dado um
choque na economia. Tal ponto limita em muito a atuação do governo, pois até a
utilização dos modelos é incerta e eles se demonstram limitados. Para
demonstrar essa dificuldade, um estudo encomendado pela Brookings Instituition
solicitou a doze dos principais formuladores de modelos macroeconométricos a
previsão de uma mesma problemática, a elevação em 4% do nível de moeda nominal
nos Estados Unidos.
O
gráfico abaixo mostra o resultado de cada um dos modelos em termos de desvio
percentual do nível estacionário da economia. É perceptível que os modelos são
muito distintos respondendo à mesma pergunta, o que ilustra de forma suficiente
a incerteza com que se depara um formulador de politica econômica ao tentar
prever o efeito dos choques em uma economia.
Fonte: Blanchard, Olivier. Macroeconomia, 4ª edição, Ed. PEARSON, Prentice Hall, 2007. (dados aproximados) |
O resultado do estudo mencionado põe
em cheque a capacidade de previsão dos economistas, demonstrando que os seus
resultados podem ser bastante incertos, causando efeitos indesejáveis na
conjuntura macroeconômica de um país. Porém, os economistas são os mais
capacitados para efetuar tais previsões. A primeira geração de modelos de
previsão, liderada por Franco Modigliani, representou um grande avanço nas
políticas econômicas e os modelos vêm desenvolvendo análises cada vez mais
satisfatórias, sendo que em um futuro breve, poderemos realizar politicas
econômicas com eficácia, no sentido de previsão.
Entretanto, este
texto demonstrou que atualmente, as dificuldades impostas ao formulador de
politica econômica são consideráveis e plausíveis. Por esse motivo, muitos
economistas consideram que o governo não deve intervir para não agravar a
situação da economia em um momento de crise. O governo brasileiro, que está
passando por um desses tempos de turbulência, deve estar atento à decisão e à
condução de politicas econômicas para que nossa economia não seja
desestabilizada sucessivamente por choques indesejados. A função de um
formulador de politica econômica é delicada e nem sempre a intervenção é o
melhor caminho à estabilidade.
Referências
Bibliográficas
BLANCHARD, Olivier. Macroeconomia, 4ª edição,
Ed. PEARSON, Prentice Hall, 2007.
SACHS, J.
D.; LARRAIN, B. F. Macroeconomia. São Paulo: Makron, 1995.
LOPES, L. M.; VASCONCELOS M. A. S. Manual de Macroeconomia,
3ª edição, Ed. ATLAS, 2011.
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