17 de mar. de 2015

Dificuldades de um formulador de Política Econômica

Por Johann Soares*


Em tempos de instabilidade econômica, em que os indicadores macroeconômicos começam a apresentar resultados preocupantes, se debate o papel do governo na condução de suas políticas econômicas, sempre com o intuito de amenizar tais choques ou até mesmo  eliminá-los. O debate envolve uma questão fundamental da macroeconomia moderna, a necessidade ou não da intervenção do governo nestes momentos de crise.

 Após a crise de 1929, com as ideias de J. M. Keynes, ficou convencionado de que o governo teria sim um papel importante de estabilizador da economia, de que seus gastos ampliariam o nível de produto e, por conseguinte, reduziriam a taxa de desemprego.  Porém, até os dias atuais, surgiram várias outras teorias colocando o governo como um agente desestabilizador, no sentido de que, ele mais atrapalha do que ameniza os choques e, portanto, deve adotar ações mais passivas durante as crises. Entre os economistas que se destacaram na defesa da passividade das políticas econômicas estão Milton Friedman e Robert Lucas.

  Atualmente, a discussão ainda não cessou, porém, é quase unanimidade entre os economistas a série de dificuldades com que o governo se defronta ao formular suas políticas econômicas. Então, tendo em vista este acalorado debate e o contexto atual da conjuntura macroeconômica brasileira, se torna necessário expor e explicar quais são estas dificuldades e os métodos para contê-las.
  Inicialmente há a questão das defasagens. Quando ocorre um choque, o governo precisa primeiro, identificá-lo, a partir de suas características e seus efeitos. Depois é necessário que ocorra um estudo sobre a necessidade de intervenção e como se dará a implementação da política econômica, até que, de fato, se aplique as medidas consideradas necessárias. Todo esse processo demanda tempo, sendo que o intervalo entre a ocorrência do choque e a implementação da política econômica é denominado de Defasagem Interna.

  Quando a política é implementada pela autoridade econômica, os seus efeitos não são percebidos imediatamente na economia como um todo, eles repercutem lentamente na estrutura da sociedade e os agentes apenas respondem a essa politica após um determinado período. O intervalo de tempo entre a implementação da política econômica corretiva e a sua repercussão na economia é denominado de Defasagem Externa.

    Na totalidade do processo, ambas as defasagens se acumulam, fazendo com que o intervalo entre a ocorrência do choque e a repercussão da politica econômica seja significante. Tal fato representa um problema considerável para o governo, pois o período de defasagens pode ser tão extenso que, nele próprio, a economia já terá voltado ao normal naturalmente, fazendo com que os efeitos da politica econômica causem um novo choque desestabilizador.

  Dessa forma, vamos supor que, no final do ano de 2015, a taxa de desemprego no Brasil seja de 9% e que o governo decide realizar uma expansão monetária para impulsionar o produto e assim diminuir o desemprego, além do mais, digamos que a defasagem total da política monetária no país é de seis meses. Quando o a expansão monetária realmente fizer efeito sobre a economia, pode ser que o atual choque de elevação sobre a taxa de desemprego já tenha sigo revertido, de forma que tal indicador, já tenha voltado ao seu nível natural. Portanto, quando passar a defasagem externa, a expansão monetária se deparará com um mercado de trabalho em equilíbrio, causando uma maior redução da taxa de desemprego (abaixo de seu nível natural) e pressões inflacionárias, desestabilizando novamente a economia.

  A partir do exemplo acima, pode-se ver que as defasagens são um forte argumento contra as políticas econômicas e uma dificuldade relevante para o formulador. Porém, há alguns mecanismos utilizados pelos economistas para amenizar as flutuações econômicas sem precisar passar pelas duas defasagens. Tais mecanismos são os estabilizadores automáticos, que possuem um efeito menor, mas amenizam os choques. Tais estabilizadores não precisam ser acionados, pois são corrigidos automaticamente. Um exemplo são os impostos progressivos, que impõem taxas distintas para diferentes níveis produção e renda. Então, quando a produção está aquecida, a taxa imposta pelo governo se eleva, servindo como um freio natural.

  Outra dificuldade com que se deparam os formuladores de política econômica é a existência das expectativas. Uma política implementada não depende apenas de seus efeitos diretos, mas também dos efeitos que ela causa nas expectativas dos agentes. Tal ponto faz com que a ação do governo se torne incerta, pois é difícil quantificar a expectativa dos indivíduos. Além disso, muitos modelos nem consideram a expectativa da população sobre uma politica econômica, o que pode alterar totalmente o resultado desejado. Tal critica às políticas adotadas pelo governo foi formulada por Robert Lucas.
  Para representar melhor a forma com que as expectativas influem no resultado de um choque, podemos utilizar o ferramental microeconômico da Teoria dos Jogos. O problema descrito nada mais é do que uma interação estratégica entre o formulador de política econômica e a expectativa dos indivíduos. O que os agentes fazem depende do que eles esperam que os formuladores façam, e a ação destes depende do que esperam que aconteça na economia. Portanto, podemos ver que o jogo estratégico entre estes dois jogadores pode ser muito complexo e estar envolto de incertezas, o que faz com que seja provável a ocorrência de efeitos indesejáveis, dadas certas politicas econômicas.

  É necessário explicar um exemplo de como as expectativas influenciam as políticas econômicas. Vamos supor que o Banco Central brasileiro publique uma meta de inflação de 2% e que os indivíduos confiem perfeitamente em tal meta. Além disso, o Banco Central sabe que a sensibilidade da inflação em relação à diferença entre o desemprego efetivo e o natural é 0,4 e a taxa natural de desemprego é de 4%. Para este cálculo, precisamos utilizar a curva de Phillips:


  Se o governo seguir exatamente a sua meta de inflação, a taxa de desemprego efetiva será equivalente à natural, atingindo um patamar de 4%. Porém, o formulador de política econômica pode adotar uma tática conhecida como inconsistência temporal, ou seja, um incentivo para se desviar de sua escolha dado que o outro jogador já tenha feito sua jogada. Isso significa que ele abandonaria sua meta publicada para atingir resultados possivelmente melhores em um determinado contexto. Visto isso, o governo observa que se aceitar uma pequena elevação da inflação para 3% terá uma redução considerável do desemprego para 1,5%, um dilema tentador em termos de política econômica.

  Porém, os agentes perceberão que o governo não seguiu a meta prometida e elevarão a expectativa inflacionária para o novo patamar de 3%. Essa nova jogada faz com que a taxa de desemprego volte a ser 4%, mas com uma inflação maior que a anterior, sendo que o governo só poderia reduzir o desemprego aumentando novamente a inflação. Este exemplo demonstra como as expectativas podem fazer com que a política econômica tome um resultado contrário ao desejado.

  Caso o governo realize inconsistências temporais sucessivas, perderá a sua credibilidade perante os agentes, tornando o jogo estratégico muito mais complexo e incerto. Portanto, uma medida que pode facilitar o jogo entre o formulador e os indivíduos é a busca da credibilidade da autoridade monetária. Este objetivo pode ser alcançado com a independência do Banco Central, que ficaria livre de pressões e interesses políticos, deixando de preocupar-se apenas com o curto prazo, por causa de eleições, populismo, entre outros motivos. Dessa forma, o formulador poderia alcançar uma escolha racional sem a influência de segundos interesses.

  Para eliminar as dificuldades expostas neste estudo, os economistas fazem uso da elaboração de cenários econômicos, o que inclui a construção de modelos que expliquem as variáveis que o governo pretende descobrir, além de relacioná-las com outras variáveis, denominadas explicativas. Esse método busca prever os choques ou os efeitos de uma determinada política de forma que se exclua os efeitos das defasagens e, em alguns casos, as flutuações das expectativas.

  Contudo, os economistas não entram em acordo sobre um modelo que seja realmente efetivo e elimine todas as incertezas. Pelo contrário, existem inúmeros modelos de política econômica que induzem resultados diversos, dado um choque na economia. Tal ponto limita em muito a atuação do governo, pois até a utilização dos modelos é incerta e eles se demonstram limitados. Para demonstrar essa dificuldade, um estudo encomendado pela Brookings Instituition solicitou a doze dos principais formuladores de modelos macroeconométricos a previsão de uma mesma problemática, a elevação em 4% do nível de moeda nominal nos Estados Unidos.

  O gráfico abaixo mostra o resultado de cada um dos modelos em termos de desvio percentual do nível estacionário da economia. É perceptível que os modelos são muito distintos respondendo à mesma pergunta, o que ilustra de forma suficiente a incerteza com que se depara um formulador de politica econômica ao tentar prever o efeito dos choques em uma economia.

Fonte: Blanchard, Olivier. Macroeconomia, 4ª edição, Ed. PEARSON, Prentice Hall, 2007. (dados aproximados)

 
  O resultado do estudo mencionado põe em cheque a capacidade de previsão dos economistas, demonstrando que os seus resultados podem ser bastante incertos, causando efeitos indesejáveis na conjuntura macroeconômica de um país. Porém, os economistas são os mais capacitados para efetuar tais previsões. A primeira geração de modelos de previsão, liderada por Franco Modigliani, representou um grande avanço nas políticas econômicas e os modelos vêm desenvolvendo análises cada vez mais satisfatórias, sendo que em um futuro breve, poderemos realizar politicas econômicas com eficácia, no sentido de previsão.

  Entretanto, este texto demonstrou que atualmente, as dificuldades impostas ao formulador de politica econômica são consideráveis e plausíveis. Por esse motivo, muitos economistas consideram que o governo não deve intervir para não agravar a situação da economia em um momento de crise. O governo brasileiro, que está passando por um desses tempos de turbulência, deve estar atento à decisão e à condução de politicas econômicas para que nossa economia não seja desestabilizada sucessivamente por choques indesejados. A função de um formulador de politica econômica é delicada e nem sempre a intervenção é o melhor caminho à estabilidade.


Referências Bibliográficas

BLANCHARD, Olivier. Macroeconomia, edição, Ed. PEARSON, Prentice Hall, 2007.
SACHS, J. D.; LARRAIN, B. F. Macroeconomia. São Paulo: Makron, 1995.

LOPES, L. M.; VASCONCELOS M. A. S. Manual de Macroeconomia, 3ª edição, Ed. ATLAS, 2011.

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