24 de fev. de 2015

Para além do trade-off entre inflação e desemprego

Por Matheus Rabelo*

Um dos trabalhos mais importantes em economia no século XX foi, com certeza, do economista neozelandês A.W.Phillips (1958), que originou a chamada curva de Phillips. Este autor encontrou, através de métodos estatísticos e utilizando dados que cobriam mais de cem anos da economia inglesa, uma relação negativa entre a variação dos salários nominais e a taxa de desemprego. Muitos trabalhos posteriores trataram de lidar com as fundamentações teóricas dessa relação.


Essa relação também pode ser  expressa em termos de inflação vs desemprego, o que suscitou um dos maiores debates dentro da macroeconomia, que gira em torno do trade-off de curto prazo entre essas duas variáveis. Este debate é importantíssimo, principalmente se tratando de política econômica, pois os resultados da curva de Phillips indicam que para se combater a inflação, as autoridades monetárias necessitam sacrificar o nível de emprego.


Ao longo do desenvolvimento do debate em torno deste assunto, novas formulações para a relação entre inflação e desemprego foram propostas. A maior contribuição nesse aspecto, foi a incorporação de um termo na equação da curva de Phillips que representa o nível de preços esperado, ou dito de outra forma, um termo que representa as expectativas dos agentes em relação à inflação futura. Os mecanismos nos quais as expectativas são formadas também foram tema de discussão:

(I)                 Expectativas adaptativas: os agentes corrigem suas expectativas em relação ao valor esperado de uma variável de acordo com os erros que cometeram no passado;

(II)               Expectativas racionais: os agentes fazem uso de todo o conjunto de informações disponíveis, tanto do passado quanto do presente e o valor esperado de uma variável sempre coincide com seu verdadeiro valor, a não ser quando ocorrem choques aleatórios que não podem ser previstos;

Então, o formato da curva de Phillips que é utilizada para fazermos a análise da relação entre inflação e desemprego é da seguinte forma:















De acordo com essa equação podemos perceber ao menos 3 causas para a inflação:


(i)                  Ela existe simplesmente porque as pessoas acreditam que haverá inflação – inflação provocada pelas expectativas;

(ii)                Porque a taxa de desemprego se situa abaixo do seu nível natural, ou seja, o produto supera o potencial levando a elevações de preços, correspondendo à chamada inflação de demanda;

(iii)               O elemento aleatório na equação capta choques que podem ocorrer na economia, tal como um choque de oferta que acarreta em aumento dos preços de matérias-primas, pressionado a inflação – inflação de custos;


A inflação causada pelas expectativas, ou seja, pelo simples fato dos indivíduos acreditarem que haverá inflação, foi visivelmente a maior causa para os resultados em termos de inflação no ano de 2002. A incerteza na economia causada pela possível eleição de Lula, principalmente pelo seu viés político-ideológico que mudaria os rumos da política econômica que havia sendo trabalhada no governo de Fernando Henrique Cardoso, levou os indivíduos a acreditarem que haveria inflação e com isso, a anteciparam.


A inflação de demanda, que é provocada quando o produto está acima do seu potencial, significa que há um excesso de demanda agregada que é refletido pela elevação do nível geral de preços. No Brasil, houve o que se chama de descoordenação de política econômica. Ao mesmo tempo em que o Banco Central elevava a taxa de juros básica da economia (SELIC) para tentar fazer com que a inflação convergisse para o centro da meta, o governo promovia políticas de incentivo ao consumo , seja por meio da elevação da renda disponível com a redução de impostos, seja com o incentivo ao crédito. Como sabemos que o consumo das famílias é componente da demanda agregada, a elevação do consumo, ceteris paribus, leva ao aumento da demanda agregada que provoca a chamada inflação de demanda.


A inflação de custos, é provocada quando por conta da ocorrência de um choque aleatório na economia, os fatores de produção encarecem e se refletem em elevação do nível geral de preços. O grande exemplo da inflação de custos provocada na economia mundial se relaciona diretamente com os dois grandes choques do petróleo na década de 70. Os países da OPEP decidiram por restringir a oferta mundial de petróleo (choque de oferta), o que acabou por encarecer essa commodity. Por conta de ser uma matéria-prima utilizada na produção de muitos bens, o nível geral de preços sofreu uma elevação porque ficou mais caro produzir esses bens.


Na semana passada vivenciamos a maior desvalorização nominal do real frente ao dólar dos últimos dez anos, alcançando o nível de R$ 2,90 por dólar. As indústrias já trabalham com uma taxa de câmbio (real/dólar) média de R$ 3,00 para o ano de 2015. Esse comportamento da taxa de câmbio pode provocar uma inflação de custos, simplesmente porque as indústrias que importam bens de capital e produzem bens comercializados no Brasil, repassam o maior custo com os fatores de produção para o preço final do produto.


Em uma situação especial em que a inflação esperada seja zero e que não ocorram choques de oferta, a única explicação para a inflação passa a ser o nível de emprego. Pela relação sugerida pela curva de Phillips, quanto maior a taxa de desemprego, menor é a inflação.


Como ilustração dessa relação, utilizaremos dados da economia brasileira e faremos uma correlação cruzada entre as duas variáveis. A variável utilizada como proxy para a inflação foi o IPCA (IBGE) e a variável utilizada como proxy para a taxa de desemprego foi a PME (IBGE), ambas com início em janeiro de 2012 e término em dezembro de 2014. Para o cálculo das correlações cíclicas entre as variáveis, trabalharemos somente com os ciclos das duas séries e para isso, fizemos uso do Filtro HP.


Utilizando a função ccf do R, podemos encontrar a correlação cruzada com 3 defasagens, isto é, a correlação cruzada entre as variáveis em 3 períodos para trás e 3 períodos para frente.

Variável
t-3
t-2
t-1
t
t+1
t+2
t+3
Inflação
0,119
0,194
0,462
1,000
0,462
0,194
0,119
Desemprego
0,147
0,050
-0,239
-0,537
-0,486
-0,509
-0,477

O índice temporal, representando por t, significa período atual, que no nosso caso é dado em meses. Com isso, t-1 denota mês anterior, t+1 denota mês posterior e assim sucessivamente.


A correlação é uma medida de associação entre duas variáveis X e Y. O coeficiente de correlação, como também é chamado, satisfaz à seguinte condição:



Onde quando mais próximo de 1 (ou -1) o coeficiente de correlação estiver, mais forte é a associação linear positiva (ou negativa) entre as duas variáveis.


Com isso em mente, podemos retirar algumas informações importantes da tabela acima.
A primeira delas é de que a correlação contemporânea, isto é, no momento t do tempo, entre inflação e desemprego é de -0,537. Isso significa que a relação negativa entre as duas variáveis, proposta pela curva de Phillips, se confirma. Além disso, essa associação de -0,537 significa, grosso modo, que aproximadamente 53,7% da inflação é explicada contemporaneamente pela taxa de desemprego.


Se o nosso objetivo é antecipar a inflação no período t com a informação que temos sobre a taxa de desemprego no período t-1, podemos olhar para a correlação cruzada das variáveis no período t-1, que é de -0,239. Grosso modo também, significa que aproximadamente 23,9% da inflação no período t é explicada pela taxa de desemprego no período t-1 (defasada em um período no tempo).


A função ccf do R também nos fornece os gráficos das correlações cruzadas e seus respectivos intervalos de confiança (representados pelas linhas pontilhadas em azul).

Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Fonte: IBGE. Elaboração própria.



Essa análise das correlações cruzadas se constitui em um primeiro passo para o estudo empírico dos determinantes exógenos da inflação. Os resultados que obtivemos saíram de acordo com o sugerido pela teoria econômica, qual seja: a existência do trade-off entre inflação e desemprego, ao menos no curto-prazo.



*Graduando em Economia-UFF


10 de fev. de 2015

As entrelinhas da taxa de desemprego no Brasil

  Por Johann Soares


Na história recente do Brasil tivemos inúmeros avanços sociais e econômicos, avanços estes que colocaram o país como centro das atenções na economia mundial, fornecendo otimismo e pujança para todos os brasileiros. O país aumentou em muito sua produção, reduziu a inflação a taxas aceitáveis, implantou melhorias sociais de distribuição de renda e criou uma enormidade de vagas de emprego, o que foi possível com a melhoria das condições para os investidores, que instalaram e expandiram empresas no país. Todo esse panorama contribuiu para que a taxa de desemprego brasileira caísse para níveis irrisórios, colocando o país em contraste com as potências mundiais que, na mesma época, estão sofrendo com taxas de desempregos mais altas. Esse histórico de queda pode ser visto no gráfico a seguir.
             
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria


  Entretanto, a taxa de desemprego não é uma variável tão intuitiva. Ela possui muitos aspectos em suas entrelinhas e só poderemos compreender sua variação a partir da análise das variáveis componentes. Por exemplo, quando a taxa de desemprego aumenta, não significa necessariamente que os agentes estão sendo demitidos de seus empregos, mas, de outra forma, pode significar que determinados agentes que não procuravam emprego, passaram a requerê-lo, ou seja, o tamanho da força de trabalho aumentou. Precisamos então, compreender esses aspectos ocultos da taxa de desemprego e entender como eles contribuíram para a sua queda, juntamente com os avanços já citados.


  Inicialmente, temos a questão da metodologia de pesquisa dos órgãos que calculam a taxa de desemprego no Brasil. As duas grandes instituições que prestam esse papel são o IBGE, por meio da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), e o DIEESE, por meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Apenas comparando a metodologia desses órgãos e seus respectivos resultados, conseguiremos entender qual a magnitude do impacto metodológico na taxa de desemprego.

  A principal diferença entre as duas metodologias é a noção de desemprego aberto e desemprego oculto. No DIEESE, o desemprego total é a soma do desemprego aberto com o desemprego oculto pelo trabalho precário e o oculto pelo desalento. Isso significa que são desempregados todos aqueles que não trabalharam ou não procuraram emprego na semana de referência, mas o procuraram no restante do mês. Além disso, estão inclusos os indivíduos que realizaram atividades informais ou descontínuas e aqueles que pararam de procurar trabalho, mas ainda querem trabalhar. Já no IBGE, os “desempregados ocultos pelo trabalho precário” são considerados como empregados, o que faz com que tal pesquisa seja menos rigorosa que a formulada pelo DIEESE e, portanto, suas taxas sejam menores. No gráfico a seguir, podemos ver uma comparação entre ambas. 

Fonte: PME - IBGE/PED - DIEESE. Elaboração Própria.


  Dessa forma, é possível perceber que a metodologia influencia o valor de todas as taxas conjuntamente e não a variação entre elas. Portanto, de forma mais intuitiva e análoga, podemos dizer que esta variável oculta desloca a curva da taxa de desemprego, mas não altera sua inclinação. Portanto, ao se deparar com uma taxa e analisar seu nível, devemos ter noção da metodologia utilizada na pesquisa.


  Outra questão oculta que influencia significativamente a taxa de desemprego de um país é o tamanho de sua força de trabalho que, no Brasil, é chamada de população economicamente ativa (PEA). Quando a força de trabalho de um país varia, a taxa de desemprego é transformada. Então, se não houver uma análise contundente do assunto, pode-se atribuir à variação do desemprego, causas não realistas. Tal fenômeno vem ocorrendo no Brasil, pois ao analisarmos a magnitude de todos os componentes da taxa de desemprego, poderemos perceber que ela não está reduzindo por causa do dinamismo do mercado brasileiro e sua criação de vagas de trabalho. Pelo contrário, tal queda ocorre por causa de uma redução considerável da PEA, sinalizando a desistência dos indivíduos pela procura de emprego.


  Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o crescimento estimado do PIB brasileiro em 2014 será de 0,3%, valor incompatível com a explicação de que a taxa de desemprego está reduzindo por causa do aquecimento do mercado, pois tal crescimento econômico está abaixo da taxa natural de crescimento do Brasil (2,24%), o que, a partir da Lei de Okun, significa que não haverá pressão para baixo sobre a taxa de desemprego. Além disso, a criação de empregos no país é frágil, sendo que, entre janeiro e agosto de 2014, foram gerados cerca de 750 mil postos de trabalho formal no Brasil, uma redução de consideráveis 32% em relação ao mesmo período de 2013. Portanto, nem sempre a queda da taxa de desemprego significa algo vantajoso para o país. Em nosso caso, menos vagas estão sendo criadas e menos pessoas estão se tornando economicamente ativas.


  Segundo a PME, em dezembro de 2012, a força de trabalho representava uma parcela de 57,8% de toda a população em idade ativa (PIA). No mesmo mês, no ano de 2014, esta mesma força de trabalho passou a representar 55,7% da PIA, anunciando uma queda bastante significativa na PEA brasileira. Para entendermos o quão impactante foi essa queda da força de trabalho em nossa taxa de desemprego, podemos utilizar o cálculo dos economistas André Gamermam e José Márcio Camargo, da Opus, gestora de investimentos. Segundo o cálculo, se o percentual de representação da PEA (taxa de atividade) se mantivesse estável nos 57,8%, a taxa de desemprego atual do Brasil praticamente dobraria, atingindo o nível de 8,04%.
          
Fonte: Opus.


  Tal constatação comprova que o fator mantenedor da taxa de desemprego no patamar atual é a flutuação negativa da população economicamente ativa. A partir do gráfico podemos perceber que esta variável oculta (força de trabalho), por sua vez e de forma análoga, altera a inclinação da curva da taxa de desemprego, não agindo como a metodologia de pesquisa, que influencia o descolamento da curva. Portanto, não podemos associar de imediato a redução da taxa de desemprego ao aumento do nível de emprego em um país. Contudo, precisamos entender exatamente qual o motivo da redução da força de trabalho, pois se trata de uma variável muito importante e que prejudica consideravelmente o nosso setor produtivo.


  Primeiramente, há o efeito da renda média da população, que transparece com o aumento real do salário mínimo. Como já foi dito, o Brasil avançou significativamente, fazendo com que os agentes adquirissem mais renda e, dessa forma, pudessem consumir mais. Com mais renda, os chefes de família passaram a poder manter dependentes em casa, o que fez com que muitos indivíduos não precisassem mais procurar emprego. O gráfico a seguir demonstra um aumento real do salário mínimo em quase todos os anos recentes, ilustrando essa elevação de renda dos brasileiros. Porém, é perceptível que provavelmente, no ano de 2015, não teremos um aumento real, pois a variação no IPCA deverá cobrir a variação nominal do salário mínimo.
             
Fontes: IBGE e Boletim Focus.. Elaboração própria.

Além disso, o aumento na renda média possibilitou a alocação dos jovens na educação, pois estes não precisaram mais trabalhar para sustentar suas famílias e puderam prosseguir na vida escolar. Por outro lado, houve também o aumento geral do número de vagas em universidades públicas, fazendo com que grande parte dos jovens adie sua entrada no mercado de trabalho.


  Tais efeitos são relativamente satisfatórios, pois sinalizam avanços sociais importantes no país. Entretanto, devemos ter cuidado com algumas variáveis. Por exemplo, o fenômeno de adiamento da entrada no mercado de trabalho pode ser uma estratégia governamental com o intuito de receber esta força de trabalho adiada bem mais capacitada, utilizando o capital humano como fator de produção importante. Porém, nada garante que esta força de trabalho adiada será realmente produtiva e capacitada. Outro exemplo é a parcela da população denominada informalmente como “nem estuda, nem trabalha”. Tal parcela é uma consequência da melhoria de renda, mas não trás nenhum aspecto produtivo agregado para o país, elevando a taxa de indivíduos dependentes.


  Os efeitos citados são mais presentes em jovens, e para ilustrar esta variação da força de trabalho via educação e elevação de renda média, utilizaremos os dados da PME. Nesta pesquisa, podemos identificar qual a variação da PEA por faixa etária, de forma que torna possível verificar a magnitude do efeito em relação aos jovens, adultos e idosos. Os dados nos mostram que, de 2012 para 2014, a quantidade de jovens entre 10 e 14 que participa da PEA reduziu pela metade. A queda ocorre em magnitudes menores, mas ainda significativas, com os jovens de 15 a 17 anos e os indivíduos entre 18 e 24 anos. Tais reduções indicam o adiamento da força de trabalho e o aumento da renda média.
         
  
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria.
  Quanto às demais faixas etárias da população, podemos perceber que apenas os indivíduos entre 25 e 49 anos, permaneceram num volume economicamente ativo estável. Porém, as pessoas com mais de 50 anos reduziram significativamente a sua participação, demonstrando que esta desistência de emprego é uma tendência geral, e não setorizada entre os jovens. Os fatores que podem explicar tal tendência mais generalizada são as séries de benefícios socioeconômicos que progrediram  rapidamente em nosso país. Tais benefícios elevam o salário de reserva da população (salário que se recebe por não trabalhar), o que torna o desemprego menos doloroso para os indivíduos, de forma que só valeria a pena trabalhar, se os salários aumentassem consideravelmente.


  O aumento do salário de reserva dos brasileiros pode ser ilustrado a partir dos benefícios sociais concedidos por programas governamentais (elevação do número de bolsas para estudantes, seguro desemprego, entre outros), além dos próprios aumentos de salário mínimo que elevam, por exemplo, o montante concedido aos aposentados. Dessa forma, com um maior salário de reserva, os aposentados podem se contentar mais facilmente com a aposentadoria, não gerando uma pressão em busca do emprego. Tal fenômeno consegue explicar a redução do percentual de pessoas com mais de 50 anos economicamente ativas. Além disso, há o envelhecimento da população e, por conseguinte, a mudança de nossa pirâmide etária, anunciando menor taxa de natalidade e maior quantidade de idosos, o que, tecnicamente, agrava a compressão da força de trabalho.


  Com todo este panorama podemos reconhecer que a taxa de desemprego é uma variável que deve ser tecnicamente analisada, pois seu índice não envolve apenas criação e destruição de vagas, mas compila vários outros fenômenos que foram discutidos neste estudo. A questão metodológica e o desalento (desistência de procurar emprego) devem ser considerados e só assim podemos descobrir quais fatores mantém a taxa de desemprego em um determinado nível. No caso brasileiro, ambos os fatores influenciam bastante, juntamente com o crescimento real de nossa economia na primeira década do século XXI, porém, a tendência recente é de variação via força de trabalho, elevando a taxa de dependência da população.



*Graduando em Economia-UFF 

3 de fev. de 2015

Resultados recentes da economia brasileira e suas implicações para a política monetária

Por Matheus Rabelo*

Os resultados econômicos do ano passado, por se tratar de ano eleitoral, em grande parte vão ao encontro do que é esperado pelo que se convencionou chamar na literatura econômica de ciclos políticos de negócios. Esta teoria, iniciada pelos estudos de Downs (1957) e Nordhaus (1975), ganhou diferentes abordagens e desenvolvimentos ao longo do tempo – como a incorporação de expectativas racionais, por exemplo. Com isso, podemos resumir os esforços de pesquisa nessa área de fronteira entre economia e política da seguinte forma: o governo direciona a política econômica de modo a maximizar seus votos e a favorecer as classes que o mantém no poder.


Os resultados empíricos relacionados a essa área vão no sentido de comprovar a existência de ciclos, que tem como pressupostos a expansão dos gastos públicos, aumento da inflação, redução do desemprego e aumento na emissão de moeda em ano de eleição, tendo em vista que o objetivo é a maximização de votos e levando em consideração a hipótese de miopia política, onde os eleitores só são capazes de enxergar o passado recente dos resultados econômicos.


Para o caso do Brasil, especificamente do ano de 2014, pudemos observar que 3 dos pressupostos para a comprovação dos ciclos foram satisfeitos, exceto o aumento na emissão de moeda. O governo abandonou a meta fiscal no final do ano e o resultado primário de 2014 foi deficitário em 0,63% do PIB, a inflação quase atingiu o limite superior da meta estabelecida pelo Banco Central, terminando o ano em 6,41% e em contrapartida obtivemos um nível historicamente baixo para a taxa de desemprego medida pela PME (IBGE) – média de 4,8% no ano.


 O aumento na emissão de moeda, nesse sentido, está diretamente relacionado ao chamado viés inflacionário, que é basicamente a existência de estímulos para que os policy makers inflacionem o sistema a fim de buscar maiores níveis de produto e emprego. Porém, há uma especificidade no caso brasileiro que é o movimento de alta na taxa de inflação, que por sua vez, requer respostas contracionistas de política monetária com o intuito de mitigar o problema.


Desde 1999, o Banco Central do Brasil adotou o regime de metas para inflação, que por sua vez é um arranjo institucional que tem como objetivo eliminar alguns problemas relacionados à política monetária – inconsistência temporal, viés inflacionário, etc – e permitir um ganho de credibilidade por parte do BC, que pode ser capaz de reduzir a inflação a um custo menor, por conta da maior capacidade de conduzir as expectativas dos agentes econômicos.
Uma definição mais precisa de credibilidade da autoridade monetária:

“Para que se desenvolva a credibilidade é preciso, em um primeiro momento, que o responsável pela condução da política econômica conquiste reputação. Para tanto, é necessário que os agentes econômicos acreditem que uma política anunciada para um determinado instante no tempo seja implementada com êxito. Ou seja, o anúncio de uma política econômica a ser colocada em prática contará com credibilidade se o público espera chance reduzida de ocorrência de inconsistência temporal”. (Mendonça, 2002)


A partir dessa definição, podemos imaginar que a autoridade monetária tem maior credibilidade quando é capaz de cumprir com a meta pré-estabelecida. Para ilustrar o caso brasileiro, temos dados sobre a inflação observada e a meta de inflação – e suas bandas de flutuação – de 2002 a 2014:

Fonte: IBGE/Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

Com base no gráfico acima, podemos inferir que com a inflação acima do centro da meta desde 2009 e até mesmo chegando a atingir o teto da meta - 6,5% - no ano de 2011, a autoridade monetária vem perdendo reputação e com isso, os esforços de política monetária tem menos credibilidade. Menos credibilidade implica em um maior custo para desinflacionar a economia.


O principal instrumento à disposição do Banco Central para fazer com que a inflação convirja para a meta estabelecida é a taxa de juros básica da economia (SELIC). De acordo com as análises empíricas da mensuração da credibilidade da autoridade monetária no Brasil, quanto menos crível for a política monetária, maior será o esforço do Banco Central para a obtenção da meta pré-estabelecida, por conta da menor capacidade de influenciar as expectativas  dos agentes econômicos. Isso implica que, uma credibilidade menor pressupõe, ceteris paribus, uma maior volatilidade da taxa de juros para que se consiga atingir a meta estabelecida.


Isso é evidenciado quando analisamos o caso brasileiro recente. Observando a evolução mensal da meta para a taxa SELIC de janeiro de 2010 até dezembro de 2014, podemos notar a volatilidade dos juros básicos brasileiros e também perceber a tendência de alta de meados de 2013 até o final de 2014, refletindo o maior custo de desinflacionar a economia:
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

Para ilustrar esse custo maior de controlar a inflação por conta da perda de credibilidade da autoridade monetária, podemos observar a variação mensal da inflação medida pelo IPCA (IBGE) de janeiro de 2010 até dezembro de 2014:
Fonte: IBGE. Elaboração própria

Como podemos perceber da análise dos dois gráficos conjuntamente, não existe uma correlação negativa imediata entre a taxa de juros e a inflação, ou seja, o aumento da taxa de juros em um mês não implica uma queda da inflação no mês seguinte. Isso decorre da defasagem externa da política monetária. Em outras palavras, a defasagem externa da política monetária pode ser entendida como o tempo que transcorre entre a ação da política e os seus efeitos sobre a economia.

Com base no boletim Focus divulgado em 16 de janeiro, as expectativas de mercado para a inflação de 2015 passaram de 6,49% para 6,72% e, para 2016, de 5,70% para 5,60%. Foi isso o que motivou a 188ª reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) a elevar a taxa SELIC de 11,75 p.p. para 12,25 p.p. sem viés. A última ata do COPOM também deixa claro que o Banco Central espera uma inflação acima da meta em 2015 e que haja uma convergência para a meta de 4,5 p.p. apenas no ano de 2016. Sendo assim, baseando-se na evolução recente das variáveis macroeconômicas, o Banco Central tem que trabalhar com o objetivo de ganhar credibilidade, de modo que consiga convergir a inflação para a meta sem precisar de grandes aumentos na taxa de juros – como acontece hoje – porque isso se reflete em maior custo do capital, afugentando investimentos e contribuindo para que tenhamos resultados pífios em termos de crescimento econômico.





Referências:

ARAÚJO, J.M.; FILHO, P.A. Ciclos político-econômicos: uma análise do comportamento dos gastos públicos nos estados brasileiros no período de 1995 a 2008. XXXVIII Encontro Nacional de Economia – ANPEC 2010.

DORNBUSCH, R.; FISCHER, S. Macroeconomia. 5ª edição.

MENDONÇA, H.F. “A teoria da credibilidade da política monetária”. Revista de Economia Política, vol. 22. 2002.

MENDONÇA, H.F. “Mensurando a credibilidade no regime de metas inflacionárias no Brasil”. Revista de Economia Política, vol. 24. 2004.

MENDONÇA, H.F.; GUIMARÃES E SOUZA, G.J. “Credibilidade do regime de metas para inflação no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 37. 2007.


*Graduando em Economia-UFF