Por Johann Soares
Na história recente do Brasil tivemos
inúmeros avanços sociais e econômicos, avanços estes que colocaram o país como
centro das atenções na economia mundial, fornecendo otimismo e pujança para
todos os brasileiros. O país aumentou em muito sua produção, reduziu a
inflação a taxas aceitáveis, implantou melhorias sociais de distribuição de
renda e criou uma enormidade de vagas de emprego, o que foi possível com a
melhoria das condições para os investidores, que instalaram e expandiram
empresas no país. Todo esse panorama contribuiu para que a taxa de desemprego
brasileira caísse para níveis irrisórios, colocando o país em contraste com as
potências mundiais que, na mesma época, estão sofrendo com taxas de desempregos
mais altas. Esse histórico de queda pode ser visto no gráfico a seguir.
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria |
Entretanto, a taxa de desemprego não é uma
variável tão intuitiva. Ela possui muitos aspectos em suas entrelinhas e só
poderemos compreender sua variação a partir da análise das variáveis componentes.
Por exemplo, quando a taxa de desemprego aumenta, não significa necessariamente
que os agentes estão sendo demitidos de seus empregos, mas, de outra forma,
pode significar que determinados agentes que não procuravam emprego, passaram a
requerê-lo, ou seja, o tamanho da força de trabalho aumentou. Precisamos então,
compreender esses aspectos ocultos da taxa de desemprego e entender como eles
contribuíram para a sua queda, juntamente com os avanços já citados.
Inicialmente, temos a questão da metodologia
de pesquisa dos órgãos que calculam a taxa de desemprego no Brasil. As duas
grandes instituições que prestam esse papel são o IBGE, por meio da Pesquisa
Mensal de Emprego (PME), e o DIEESE, por meio da Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED). Apenas comparando a metodologia desses órgãos e seus
respectivos resultados, conseguiremos entender qual a magnitude do impacto
metodológico na taxa de desemprego.
A principal diferença entre as duas
metodologias é a noção de desemprego aberto e desemprego oculto. No DIEESE, o
desemprego total é a soma do desemprego aberto com o desemprego oculto pelo
trabalho precário e o oculto pelo desalento. Isso significa que são
desempregados todos aqueles que não trabalharam ou não procuraram emprego na
semana de referência, mas o procuraram no restante do mês. Além disso, estão
inclusos os indivíduos que realizaram atividades informais ou descontínuas e
aqueles que pararam de procurar trabalho, mas ainda querem trabalhar. Já no
IBGE, os “desempregados ocultos pelo trabalho precário” são considerados como
empregados, o que faz com que tal pesquisa seja menos rigorosa que a formulada
pelo DIEESE e, portanto, suas taxas sejam menores. No gráfico a seguir, podemos
ver uma comparação entre ambas.
Fonte: PME - IBGE/PED - DIEESE. Elaboração Própria. |
Dessa forma, é possível perceber que a
metodologia influencia o valor de todas as taxas conjuntamente e não a variação
entre elas. Portanto, de forma mais intuitiva e análoga, podemos dizer que esta
variável oculta desloca a curva da taxa de desemprego, mas não altera sua
inclinação. Portanto, ao se deparar com uma taxa e analisar seu nível, devemos
ter noção da metodologia utilizada na pesquisa.
Outra questão oculta que influencia
significativamente a taxa de desemprego de um país é o tamanho de sua força de
trabalho que, no Brasil, é chamada de população economicamente ativa (PEA).
Quando a força de trabalho de um país varia, a taxa de desemprego é
transformada. Então, se não houver uma análise contundente do assunto, pode-se
atribuir à variação do desemprego, causas não realistas. Tal fenômeno vem
ocorrendo no Brasil, pois ao analisarmos a magnitude de todos os componentes da
taxa de desemprego, poderemos perceber que ela não está reduzindo por causa do
dinamismo do mercado brasileiro e sua criação de vagas de trabalho. Pelo
contrário, tal queda ocorre por causa de uma redução considerável da PEA,
sinalizando a desistência dos indivíduos pela procura de emprego.
Segundo a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o crescimento estimado do PIB brasileiro em
2014 será de 0,3%, valor incompatível com a explicação de que a taxa de
desemprego está reduzindo por causa do aquecimento do mercado, pois tal
crescimento econômico está abaixo da taxa natural de crescimento do Brasil
(2,24%), o que, a partir da Lei de Okun, significa que não haverá pressão para
baixo sobre a taxa de desemprego. Além disso, a criação de empregos no país é
frágil, sendo que, entre janeiro e agosto de 2014, foram gerados cerca de 750
mil postos de trabalho formal no Brasil, uma redução de consideráveis 32% em
relação ao mesmo período de 2013. Portanto, nem sempre a queda da taxa de
desemprego significa algo vantajoso para o país. Em nosso caso, menos vagas
estão sendo criadas e menos pessoas estão se tornando economicamente ativas.
Segundo a PME, em dezembro de 2012, a força
de trabalho representava uma parcela de 57,8% de toda a população em idade
ativa (PIA). No mesmo mês, no ano de 2014, esta mesma força de trabalho passou
a representar 55,7% da PIA, anunciando uma queda bastante significativa na PEA
brasileira. Para entendermos o quão impactante foi essa queda da força de
trabalho em nossa taxa de desemprego, podemos utilizar o cálculo dos
economistas André Gamermam e José Márcio Camargo, da Opus, gestora de investimentos.
Segundo o cálculo, se o percentual de representação da PEA (taxa de atividade)
se mantivesse estável nos 57,8%, a taxa de desemprego atual do Brasil
praticamente dobraria, atingindo o nível de 8,04%.
Fonte: Opus. |
Tal constatação comprova que o fator
mantenedor da taxa de desemprego no patamar atual é a flutuação negativa da
população economicamente ativa. A partir do gráfico podemos perceber que esta
variável oculta (força de trabalho), por sua vez e de forma análoga, altera a
inclinação da curva da taxa de desemprego, não agindo como a metodologia de
pesquisa, que influencia o descolamento da curva. Portanto, não podemos
associar de imediato a redução da taxa de desemprego ao aumento do nível de
emprego em um país. Contudo, precisamos entender exatamente qual o motivo da
redução da força de trabalho, pois se trata de uma variável muito importante e
que prejudica consideravelmente o nosso setor produtivo.
Primeiramente, há o efeito da renda média da
população, que transparece com o aumento real do salário mínimo. Como já foi
dito, o Brasil avançou significativamente, fazendo com que os agentes
adquirissem mais renda e, dessa forma, pudessem consumir mais. Com mais renda,
os chefes de família passaram a poder manter dependentes em casa, o que fez com
que muitos indivíduos não precisassem mais procurar emprego. O gráfico a seguir
demonstra um aumento real do salário mínimo em quase todos os anos recentes,
ilustrando essa elevação de renda dos brasileiros. Porém, é perceptível que
provavelmente, no ano de 2015, não teremos um aumento real, pois a variação no
IPCA deverá cobrir a variação nominal do salário mínimo.
Fontes: IBGE e Boletim Focus.. Elaboração própria. |
Além disso, o
aumento na renda média possibilitou a alocação dos jovens na educação, pois
estes não precisaram mais trabalhar para sustentar suas famílias e puderam
prosseguir na vida escolar. Por outro lado, houve também o aumento geral do
número de vagas em universidades públicas, fazendo com que grande parte dos
jovens adie sua entrada no mercado de trabalho.
Tais efeitos são relativamente satisfatórios,
pois sinalizam avanços sociais importantes no país. Entretanto, devemos ter
cuidado com algumas variáveis. Por exemplo, o fenômeno de adiamento da entrada
no mercado de trabalho pode ser uma estratégia governamental com o intuito de
receber esta força de trabalho adiada bem mais capacitada, utilizando o capital
humano como fator de produção importante. Porém, nada garante que esta força de
trabalho adiada será realmente produtiva e capacitada. Outro exemplo é a
parcela da população denominada informalmente como “nem estuda, nem trabalha”.
Tal parcela é uma consequência da melhoria de renda, mas não trás nenhum
aspecto produtivo agregado para o país, elevando a taxa de indivíduos
dependentes.
Os efeitos citados são mais presentes em
jovens, e para ilustrar esta variação da força de trabalho via educação e
elevação de renda média, utilizaremos os dados da PME. Nesta pesquisa, podemos
identificar qual a variação da PEA por faixa etária, de forma que torna
possível verificar a magnitude do efeito em relação aos jovens, adultos e
idosos. Os dados nos mostram que, de 2012 para 2014, a quantidade de jovens
entre 10 e 14 que participa da PEA reduziu pela metade. A queda ocorre em
magnitudes menores, mas ainda significativas, com os jovens de 15 a 17 anos e
os indivíduos entre 18 e 24 anos. Tais reduções indicam o adiamento da força de
trabalho e o aumento da renda média.
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria. |
Quanto às demais faixas etárias da população,
podemos perceber que apenas os indivíduos entre 25 e 49 anos, permaneceram num
volume economicamente ativo estável. Porém, as pessoas com mais de 50 anos
reduziram significativamente a sua participação, demonstrando que esta
desistência de emprego é uma tendência geral, e não setorizada entre os jovens.
Os fatores que podem explicar tal tendência mais generalizada são as séries de
benefícios socioeconômicos que progrediram
rapidamente em nosso país. Tais benefícios elevam o salário de reserva
da população (salário que se recebe por não trabalhar), o que torna o
desemprego menos doloroso para os indivíduos, de forma que só valeria a pena
trabalhar, se os salários aumentassem consideravelmente.
O aumento do salário de reserva dos
brasileiros pode ser ilustrado a partir dos benefícios sociais concedidos por
programas governamentais (elevação do número de bolsas para estudantes, seguro
desemprego, entre outros), além dos próprios aumentos de salário mínimo que
elevam, por exemplo, o montante concedido aos aposentados. Dessa forma, com um
maior salário de reserva, os aposentados podem se contentar mais facilmente com
a aposentadoria, não gerando uma pressão em busca do emprego. Tal fenômeno
consegue explicar a redução do percentual de pessoas com mais de 50 anos
economicamente ativas. Além disso, há o envelhecimento da população e, por
conseguinte, a mudança de nossa pirâmide etária, anunciando menor taxa de
natalidade e maior quantidade de idosos, o que, tecnicamente, agrava a
compressão da força de trabalho.
Com todo este panorama podemos reconhecer que
a taxa de desemprego é uma variável que deve ser tecnicamente analisada, pois
seu índice não envolve apenas criação e destruição de vagas, mas compila vários
outros fenômenos que foram discutidos neste estudo. A questão metodológica e o
desalento (desistência de procurar emprego) devem ser considerados e só assim
podemos descobrir quais fatores mantém a taxa de desemprego em um determinado
nível. No caso brasileiro, ambos os fatores influenciam bastante, juntamente
com o crescimento real de nossa economia na primeira década do século XXI,
porém, a tendência recente é de variação via força de trabalho, elevando a taxa
de dependência da população.
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