10 de fev. de 2015

As entrelinhas da taxa de desemprego no Brasil

  Por Johann Soares


Na história recente do Brasil tivemos inúmeros avanços sociais e econômicos, avanços estes que colocaram o país como centro das atenções na economia mundial, fornecendo otimismo e pujança para todos os brasileiros. O país aumentou em muito sua produção, reduziu a inflação a taxas aceitáveis, implantou melhorias sociais de distribuição de renda e criou uma enormidade de vagas de emprego, o que foi possível com a melhoria das condições para os investidores, que instalaram e expandiram empresas no país. Todo esse panorama contribuiu para que a taxa de desemprego brasileira caísse para níveis irrisórios, colocando o país em contraste com as potências mundiais que, na mesma época, estão sofrendo com taxas de desempregos mais altas. Esse histórico de queda pode ser visto no gráfico a seguir.
             
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria


  Entretanto, a taxa de desemprego não é uma variável tão intuitiva. Ela possui muitos aspectos em suas entrelinhas e só poderemos compreender sua variação a partir da análise das variáveis componentes. Por exemplo, quando a taxa de desemprego aumenta, não significa necessariamente que os agentes estão sendo demitidos de seus empregos, mas, de outra forma, pode significar que determinados agentes que não procuravam emprego, passaram a requerê-lo, ou seja, o tamanho da força de trabalho aumentou. Precisamos então, compreender esses aspectos ocultos da taxa de desemprego e entender como eles contribuíram para a sua queda, juntamente com os avanços já citados.


  Inicialmente, temos a questão da metodologia de pesquisa dos órgãos que calculam a taxa de desemprego no Brasil. As duas grandes instituições que prestam esse papel são o IBGE, por meio da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), e o DIEESE, por meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Apenas comparando a metodologia desses órgãos e seus respectivos resultados, conseguiremos entender qual a magnitude do impacto metodológico na taxa de desemprego.

  A principal diferença entre as duas metodologias é a noção de desemprego aberto e desemprego oculto. No DIEESE, o desemprego total é a soma do desemprego aberto com o desemprego oculto pelo trabalho precário e o oculto pelo desalento. Isso significa que são desempregados todos aqueles que não trabalharam ou não procuraram emprego na semana de referência, mas o procuraram no restante do mês. Além disso, estão inclusos os indivíduos que realizaram atividades informais ou descontínuas e aqueles que pararam de procurar trabalho, mas ainda querem trabalhar. Já no IBGE, os “desempregados ocultos pelo trabalho precário” são considerados como empregados, o que faz com que tal pesquisa seja menos rigorosa que a formulada pelo DIEESE e, portanto, suas taxas sejam menores. No gráfico a seguir, podemos ver uma comparação entre ambas. 

Fonte: PME - IBGE/PED - DIEESE. Elaboração Própria.


  Dessa forma, é possível perceber que a metodologia influencia o valor de todas as taxas conjuntamente e não a variação entre elas. Portanto, de forma mais intuitiva e análoga, podemos dizer que esta variável oculta desloca a curva da taxa de desemprego, mas não altera sua inclinação. Portanto, ao se deparar com uma taxa e analisar seu nível, devemos ter noção da metodologia utilizada na pesquisa.


  Outra questão oculta que influencia significativamente a taxa de desemprego de um país é o tamanho de sua força de trabalho que, no Brasil, é chamada de população economicamente ativa (PEA). Quando a força de trabalho de um país varia, a taxa de desemprego é transformada. Então, se não houver uma análise contundente do assunto, pode-se atribuir à variação do desemprego, causas não realistas. Tal fenômeno vem ocorrendo no Brasil, pois ao analisarmos a magnitude de todos os componentes da taxa de desemprego, poderemos perceber que ela não está reduzindo por causa do dinamismo do mercado brasileiro e sua criação de vagas de trabalho. Pelo contrário, tal queda ocorre por causa de uma redução considerável da PEA, sinalizando a desistência dos indivíduos pela procura de emprego.


  Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o crescimento estimado do PIB brasileiro em 2014 será de 0,3%, valor incompatível com a explicação de que a taxa de desemprego está reduzindo por causa do aquecimento do mercado, pois tal crescimento econômico está abaixo da taxa natural de crescimento do Brasil (2,24%), o que, a partir da Lei de Okun, significa que não haverá pressão para baixo sobre a taxa de desemprego. Além disso, a criação de empregos no país é frágil, sendo que, entre janeiro e agosto de 2014, foram gerados cerca de 750 mil postos de trabalho formal no Brasil, uma redução de consideráveis 32% em relação ao mesmo período de 2013. Portanto, nem sempre a queda da taxa de desemprego significa algo vantajoso para o país. Em nosso caso, menos vagas estão sendo criadas e menos pessoas estão se tornando economicamente ativas.


  Segundo a PME, em dezembro de 2012, a força de trabalho representava uma parcela de 57,8% de toda a população em idade ativa (PIA). No mesmo mês, no ano de 2014, esta mesma força de trabalho passou a representar 55,7% da PIA, anunciando uma queda bastante significativa na PEA brasileira. Para entendermos o quão impactante foi essa queda da força de trabalho em nossa taxa de desemprego, podemos utilizar o cálculo dos economistas André Gamermam e José Márcio Camargo, da Opus, gestora de investimentos. Segundo o cálculo, se o percentual de representação da PEA (taxa de atividade) se mantivesse estável nos 57,8%, a taxa de desemprego atual do Brasil praticamente dobraria, atingindo o nível de 8,04%.
          
Fonte: Opus.


  Tal constatação comprova que o fator mantenedor da taxa de desemprego no patamar atual é a flutuação negativa da população economicamente ativa. A partir do gráfico podemos perceber que esta variável oculta (força de trabalho), por sua vez e de forma análoga, altera a inclinação da curva da taxa de desemprego, não agindo como a metodologia de pesquisa, que influencia o descolamento da curva. Portanto, não podemos associar de imediato a redução da taxa de desemprego ao aumento do nível de emprego em um país. Contudo, precisamos entender exatamente qual o motivo da redução da força de trabalho, pois se trata de uma variável muito importante e que prejudica consideravelmente o nosso setor produtivo.


  Primeiramente, há o efeito da renda média da população, que transparece com o aumento real do salário mínimo. Como já foi dito, o Brasil avançou significativamente, fazendo com que os agentes adquirissem mais renda e, dessa forma, pudessem consumir mais. Com mais renda, os chefes de família passaram a poder manter dependentes em casa, o que fez com que muitos indivíduos não precisassem mais procurar emprego. O gráfico a seguir demonstra um aumento real do salário mínimo em quase todos os anos recentes, ilustrando essa elevação de renda dos brasileiros. Porém, é perceptível que provavelmente, no ano de 2015, não teremos um aumento real, pois a variação no IPCA deverá cobrir a variação nominal do salário mínimo.
             
Fontes: IBGE e Boletim Focus.. Elaboração própria.

Além disso, o aumento na renda média possibilitou a alocação dos jovens na educação, pois estes não precisaram mais trabalhar para sustentar suas famílias e puderam prosseguir na vida escolar. Por outro lado, houve também o aumento geral do número de vagas em universidades públicas, fazendo com que grande parte dos jovens adie sua entrada no mercado de trabalho.


  Tais efeitos são relativamente satisfatórios, pois sinalizam avanços sociais importantes no país. Entretanto, devemos ter cuidado com algumas variáveis. Por exemplo, o fenômeno de adiamento da entrada no mercado de trabalho pode ser uma estratégia governamental com o intuito de receber esta força de trabalho adiada bem mais capacitada, utilizando o capital humano como fator de produção importante. Porém, nada garante que esta força de trabalho adiada será realmente produtiva e capacitada. Outro exemplo é a parcela da população denominada informalmente como “nem estuda, nem trabalha”. Tal parcela é uma consequência da melhoria de renda, mas não trás nenhum aspecto produtivo agregado para o país, elevando a taxa de indivíduos dependentes.


  Os efeitos citados são mais presentes em jovens, e para ilustrar esta variação da força de trabalho via educação e elevação de renda média, utilizaremos os dados da PME. Nesta pesquisa, podemos identificar qual a variação da PEA por faixa etária, de forma que torna possível verificar a magnitude do efeito em relação aos jovens, adultos e idosos. Os dados nos mostram que, de 2012 para 2014, a quantidade de jovens entre 10 e 14 que participa da PEA reduziu pela metade. A queda ocorre em magnitudes menores, mas ainda significativas, com os jovens de 15 a 17 anos e os indivíduos entre 18 e 24 anos. Tais reduções indicam o adiamento da força de trabalho e o aumento da renda média.
         
  
Fonte: PME - IBGE. Elaboração própria.
  Quanto às demais faixas etárias da população, podemos perceber que apenas os indivíduos entre 25 e 49 anos, permaneceram num volume economicamente ativo estável. Porém, as pessoas com mais de 50 anos reduziram significativamente a sua participação, demonstrando que esta desistência de emprego é uma tendência geral, e não setorizada entre os jovens. Os fatores que podem explicar tal tendência mais generalizada são as séries de benefícios socioeconômicos que progrediram  rapidamente em nosso país. Tais benefícios elevam o salário de reserva da população (salário que se recebe por não trabalhar), o que torna o desemprego menos doloroso para os indivíduos, de forma que só valeria a pena trabalhar, se os salários aumentassem consideravelmente.


  O aumento do salário de reserva dos brasileiros pode ser ilustrado a partir dos benefícios sociais concedidos por programas governamentais (elevação do número de bolsas para estudantes, seguro desemprego, entre outros), além dos próprios aumentos de salário mínimo que elevam, por exemplo, o montante concedido aos aposentados. Dessa forma, com um maior salário de reserva, os aposentados podem se contentar mais facilmente com a aposentadoria, não gerando uma pressão em busca do emprego. Tal fenômeno consegue explicar a redução do percentual de pessoas com mais de 50 anos economicamente ativas. Além disso, há o envelhecimento da população e, por conseguinte, a mudança de nossa pirâmide etária, anunciando menor taxa de natalidade e maior quantidade de idosos, o que, tecnicamente, agrava a compressão da força de trabalho.


  Com todo este panorama podemos reconhecer que a taxa de desemprego é uma variável que deve ser tecnicamente analisada, pois seu índice não envolve apenas criação e destruição de vagas, mas compila vários outros fenômenos que foram discutidos neste estudo. A questão metodológica e o desalento (desistência de procurar emprego) devem ser considerados e só assim podemos descobrir quais fatores mantém a taxa de desemprego em um determinado nível. No caso brasileiro, ambos os fatores influenciam bastante, juntamente com o crescimento real de nossa economia na primeira década do século XXI, porém, a tendência recente é de variação via força de trabalho, elevando a taxa de dependência da população.



*Graduando em Economia-UFF 

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