3 de fev. de 2015

Resultados recentes da economia brasileira e suas implicações para a política monetária

Por Matheus Rabelo*

Os resultados econômicos do ano passado, por se tratar de ano eleitoral, em grande parte vão ao encontro do que é esperado pelo que se convencionou chamar na literatura econômica de ciclos políticos de negócios. Esta teoria, iniciada pelos estudos de Downs (1957) e Nordhaus (1975), ganhou diferentes abordagens e desenvolvimentos ao longo do tempo – como a incorporação de expectativas racionais, por exemplo. Com isso, podemos resumir os esforços de pesquisa nessa área de fronteira entre economia e política da seguinte forma: o governo direciona a política econômica de modo a maximizar seus votos e a favorecer as classes que o mantém no poder.


Os resultados empíricos relacionados a essa área vão no sentido de comprovar a existência de ciclos, que tem como pressupostos a expansão dos gastos públicos, aumento da inflação, redução do desemprego e aumento na emissão de moeda em ano de eleição, tendo em vista que o objetivo é a maximização de votos e levando em consideração a hipótese de miopia política, onde os eleitores só são capazes de enxergar o passado recente dos resultados econômicos.


Para o caso do Brasil, especificamente do ano de 2014, pudemos observar que 3 dos pressupostos para a comprovação dos ciclos foram satisfeitos, exceto o aumento na emissão de moeda. O governo abandonou a meta fiscal no final do ano e o resultado primário de 2014 foi deficitário em 0,63% do PIB, a inflação quase atingiu o limite superior da meta estabelecida pelo Banco Central, terminando o ano em 6,41% e em contrapartida obtivemos um nível historicamente baixo para a taxa de desemprego medida pela PME (IBGE) – média de 4,8% no ano.


 O aumento na emissão de moeda, nesse sentido, está diretamente relacionado ao chamado viés inflacionário, que é basicamente a existência de estímulos para que os policy makers inflacionem o sistema a fim de buscar maiores níveis de produto e emprego. Porém, há uma especificidade no caso brasileiro que é o movimento de alta na taxa de inflação, que por sua vez, requer respostas contracionistas de política monetária com o intuito de mitigar o problema.


Desde 1999, o Banco Central do Brasil adotou o regime de metas para inflação, que por sua vez é um arranjo institucional que tem como objetivo eliminar alguns problemas relacionados à política monetária – inconsistência temporal, viés inflacionário, etc – e permitir um ganho de credibilidade por parte do BC, que pode ser capaz de reduzir a inflação a um custo menor, por conta da maior capacidade de conduzir as expectativas dos agentes econômicos.
Uma definição mais precisa de credibilidade da autoridade monetária:

“Para que se desenvolva a credibilidade é preciso, em um primeiro momento, que o responsável pela condução da política econômica conquiste reputação. Para tanto, é necessário que os agentes econômicos acreditem que uma política anunciada para um determinado instante no tempo seja implementada com êxito. Ou seja, o anúncio de uma política econômica a ser colocada em prática contará com credibilidade se o público espera chance reduzida de ocorrência de inconsistência temporal”. (Mendonça, 2002)


A partir dessa definição, podemos imaginar que a autoridade monetária tem maior credibilidade quando é capaz de cumprir com a meta pré-estabelecida. Para ilustrar o caso brasileiro, temos dados sobre a inflação observada e a meta de inflação – e suas bandas de flutuação – de 2002 a 2014:

Fonte: IBGE/Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

Com base no gráfico acima, podemos inferir que com a inflação acima do centro da meta desde 2009 e até mesmo chegando a atingir o teto da meta - 6,5% - no ano de 2011, a autoridade monetária vem perdendo reputação e com isso, os esforços de política monetária tem menos credibilidade. Menos credibilidade implica em um maior custo para desinflacionar a economia.


O principal instrumento à disposição do Banco Central para fazer com que a inflação convirja para a meta estabelecida é a taxa de juros básica da economia (SELIC). De acordo com as análises empíricas da mensuração da credibilidade da autoridade monetária no Brasil, quanto menos crível for a política monetária, maior será o esforço do Banco Central para a obtenção da meta pré-estabelecida, por conta da menor capacidade de influenciar as expectativas  dos agentes econômicos. Isso implica que, uma credibilidade menor pressupõe, ceteris paribus, uma maior volatilidade da taxa de juros para que se consiga atingir a meta estabelecida.


Isso é evidenciado quando analisamos o caso brasileiro recente. Observando a evolução mensal da meta para a taxa SELIC de janeiro de 2010 até dezembro de 2014, podemos notar a volatilidade dos juros básicos brasileiros e também perceber a tendência de alta de meados de 2013 até o final de 2014, refletindo o maior custo de desinflacionar a economia:
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

Para ilustrar esse custo maior de controlar a inflação por conta da perda de credibilidade da autoridade monetária, podemos observar a variação mensal da inflação medida pelo IPCA (IBGE) de janeiro de 2010 até dezembro de 2014:
Fonte: IBGE. Elaboração própria

Como podemos perceber da análise dos dois gráficos conjuntamente, não existe uma correlação negativa imediata entre a taxa de juros e a inflação, ou seja, o aumento da taxa de juros em um mês não implica uma queda da inflação no mês seguinte. Isso decorre da defasagem externa da política monetária. Em outras palavras, a defasagem externa da política monetária pode ser entendida como o tempo que transcorre entre a ação da política e os seus efeitos sobre a economia.

Com base no boletim Focus divulgado em 16 de janeiro, as expectativas de mercado para a inflação de 2015 passaram de 6,49% para 6,72% e, para 2016, de 5,70% para 5,60%. Foi isso o que motivou a 188ª reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) a elevar a taxa SELIC de 11,75 p.p. para 12,25 p.p. sem viés. A última ata do COPOM também deixa claro que o Banco Central espera uma inflação acima da meta em 2015 e que haja uma convergência para a meta de 4,5 p.p. apenas no ano de 2016. Sendo assim, baseando-se na evolução recente das variáveis macroeconômicas, o Banco Central tem que trabalhar com o objetivo de ganhar credibilidade, de modo que consiga convergir a inflação para a meta sem precisar de grandes aumentos na taxa de juros – como acontece hoje – porque isso se reflete em maior custo do capital, afugentando investimentos e contribuindo para que tenhamos resultados pífios em termos de crescimento econômico.





Referências:

ARAÚJO, J.M.; FILHO, P.A. Ciclos político-econômicos: uma análise do comportamento dos gastos públicos nos estados brasileiros no período de 1995 a 2008. XXXVIII Encontro Nacional de Economia – ANPEC 2010.

DORNBUSCH, R.; FISCHER, S. Macroeconomia. 5ª edição.

MENDONÇA, H.F. “A teoria da credibilidade da política monetária”. Revista de Economia Política, vol. 22. 2002.

MENDONÇA, H.F. “Mensurando a credibilidade no regime de metas inflacionárias no Brasil”. Revista de Economia Política, vol. 24. 2004.

MENDONÇA, H.F.; GUIMARÃES E SOUZA, G.J. “Credibilidade do regime de metas para inflação no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 37. 2007.


*Graduando em Economia-UFF

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